Inevitavelmente, a arte chega para todos. Entretanto, é como fazemos para que ela permaneça conosco que define qual será a relação que teremos com suas mais diversas formas. Para alguns, ela chega sem fazer alarde e passa despercebida; para outros, chega fazendo barulho, é notada, observada, mas vez ou outra largada pelas esquinas da vida... Entretanto, diferente desses, existem aqueles para quem ela chega fazendo um verdadeiro escândalo e, assim, faz nascer aquilo que faz com que estejam conectados e sem possibilidade alguma de separação: a paixão.
Assim aconteceu com Rafael Dante, o paulista de 31 anos que com apenas 8 começou a desenhar, "lembro que eu e meus amigos tínhamos um caderno de desenho cada e íamos fazendo tudo o que estava a nossa volta. E era sempre um desenho por página com a palavra escrita em baixo", diz. Em seguida, passou a copiar ilustrações de apostilas e absorver as dicas do pograma A Mão Livre, da TV Cultura. "Eram lições básicas de desenho como luz e sombra, composição, perspectiva, etc. Passava de manhã e eu gravei todos os episódios para poder ver depois e ficar estudando".
Algum tempo depois, por volta dos dez anos de idade, Dante passou a se interessar por quadrinhos, o que contribuiu muito para o desenvolvimento de suas técnicas e inspirações. "Aí não parei mais, havia achado minha brincadeira favorita e que dura até hoje".
Formado em publicidade e também em Design, o artista fez uma série de cursos e estudou pintura e ilustração. Como a grande maioria dos publicitários, iniciou a vida profissional trabalhando em agências, onde conseguia desenvolver sua habilidade artística junto à construção de sua carreira. Sempre na área digital, foi Diretor de Arte em algumas das maiores agências do Brasil, até que, por um tempo, frustrou-se com sua realidade, "até que se adquira maturidade profissional, o Diretor de Arte de publicidade não assume que não é artista. É preciso que haja uma divisão mental sobre o que é um trabalho comercial e um autoral. E no início, com todo o ímpeto revolucionário de um jovem, a gente resiste muito. Com o tempo fui entendendo melhor isso tudo e comecei meu plano B no paralelo".
A partir disso, Dante adotou uma jornada dupla e passou a trabalhar na agência de dia e à noite, quando conseguia, desenvolvia seus projetos pessoais até que, em 2011, foi contratado por uma empresa de Los Angeles para trabalhar com games, fazendo com que seu plano B ganhasse força. Com muita bagagem, experiência e histórias, o brasileiro que hoje vive nos Estados Unidos e aos poucos está ganhando o mundo nos conta um pouco de como foi chegar onde está e também fala sobre planos futuros. Confira:
O que é arte pra você e o que ela representa em sua vida?
Arte é a forma que eu encontrei pra viver. É o meu trabalho e minha diversão, fuga e terapia. Arte faz parte da minha vida, do meu dia a dia e está em praticamente em tudo o que faço. Às vezes penso em o que vou fazer quando me aposentar. Posso até parar de trabalhar, mas de desenhar, de pintar, jamais.
Como aconteceu essa transição do trabalho publicitário para a carreira artística?
Me dediquei muito à arte durante meu tempo livre, participei de exposições e aí meu trabalhou começou a ganhar uma cara. Voltei pro Brasil, de novo para trabalhar em uma agência, mas dessa vez para coordenar um time criativo. Percebi que daquele processo criativo todo, eu curtia mesmo era a mão na massa, a execução. Montei um estúdio de ilustração e depois de um ano de muitos trabalhos legais, recebi um convite para retornar para Los Angeles... E aqui estou.
Você tem alguma influência? Algum artista contribuiu para seu crescimento profissional?
Sim. Minhas maiores influências vem dos quadrinhos. Gosto muito de alguns artistas do mercado americano de super herois, especificamente. Tive a chance de ter aulas com alguns brasileiros que fazem esse tipo de trabalho e isso foi muito importante na minha formação. Entre aulas e puxões de orelha, foram principalmente Octavio Cariello, Roger Cruz e Brucke Caribé. São 3 artistas muito versáteis, trabalham com todo tipo de técnica e é isso que eu tento fazer também. Recentemente, o artista plástico Loroverz também tem sido um cara que vale a pena olhar (e trocar longas ideias).
Como define seu trabalho e onde o divulga?
Meu trabalho é uma mistura de linguagens. Gosto de variar as técnicas, usar materiais diferentes. Faço muita coisa no computador, até pelo meu trabalho comercial, que é 95% digital. Mas gosto muito do corpo humano, da anatomia, do rosto. Também uso tipografia, elementos de design, enfim, curto essa mistura. Divulgo essencialmente na internet: tenho site, Instagram, Facebook, Deviantart, Mirc...
Fale sobre alguns dos projetos que já realizou
Um dos trabalhos que comecei em Los Angeles foi o 2manyboxes. Quando me mudei para lá, tive que comprar uma série de coisas para minha casa. TV, video game, cadeira... Tudo vinha em caixas de papelão e em uma semana, minha sala estava lotada de caixas. Em vez de jogar fora, eu as abri e comecei a pintar no interior delas. Fiz uma série de 12 quadros no total, utilizando acrílica, marcadores e nanquim. O projeto foi em frente, participei de 2 eventos de arte em LA, e fiz uma exposição solo em São Paulo quando voltei. Ainda continuo com ele. Sempre que recebo uma caixa acabo fazendo mais um.
É possível viver de arte? Qual o maior desafio?
Acho que viver sim. Viver bem, só de arte, eu já acho mais difícil. Claro que tem gente que consegue, mas é bem complicado. Acho que o desafio é encontrar e lidar com um mercado que você se sinta bem para produzir. É ilusão achar que o artista fica no atelier jogando tinta na tela e ouvindo Mozart. Por mais difícil que seja, tem que negociar seu trabalho, saber tratar um cliente. Acho inevitável nos dias de hoje que um artista não faça trabalhos comerciais. Pode ser um quadro para um restaurante, um mural de uma produtora de filme, enfim, é um trabalho, tem um orçamento, um cliente, um deadline, (de repente uma alteração?). Então acho que o desafio é saber lidar com isso tudo.
Como surgiu o projeto 100 heroes? Fale um pouco sobre ele
O projeto surgiu baseado em uma tendência do Instagram. Alguns artistas já fazem projetos assim, de desenhos diários e eu fiquei a fim também. Como sempre faço muitos sketches de super herois, achei que seria legal embarcar de vez nisso. Então criei a meta de 100 personagens de história em quadrinhos em 100 dias. O legal é que sempre desenhava os mesmos personagens e agora tenho feito alguns que jamais faria. Isso também porque abro para que as pessoas façam pedidos e aí vem alguns bem diferentes. Como eu chamei de 100 Heroes, tem gente pedindo de tudo e alguns fora dos quadrinhos. Por isso, na sequência vou fazer mais um, mas dessa vez focado em desenhos animados e séries de TV.
Tem algum tipo de ritual para começar a criar?
Sinceramente não. Acho que é sentar a bunda na cadeira e mandar brasa. Acredito muito no fazer, fazer e fazer. Na dedicação e no treino. Claro que tem dia que não sai, também já aprendi que não sou uma máquina. Mas, no geral, é ter disposição e curtir a parada. Se empolgar com o que faz. Só o que não pode faltar é música. Um sambinha é sempre bom.
Na sua opinião, o Brasil valoriza os artistas como deveria?
Não sei. Uma coisa que é estranha no Brasil é que se você se auto entitula artista, as pessoas entendem como um tipo de soberba. “Hummmm artista é? Falô aê”. E é uma enorme bobagem porque você não fala para alguém que cuida dos seus dentes: “Ooorra, falô o dentista então”. Ou então não te levam a serio, por pensar que arte não é um trabalho mesmo como medicina, engenharia e etc... Mas acredito que isso vem mudando. No geral, acho que o brasileiro está se habituando e aprendendo a gostar de arte. Em São Paulo, pelo menos, dá pra perceber isso, visto que toda exposição que chega na cidade é sempre sucesso de público. E, sem dúvidas, a internet ajuda muito nesse processo.
Tem alguma dica para quem sonha em viver de arte e ainda não sabe por onde começar?
Primeiro de tudo precisa gostar. Melhor, precisa ter é tesão mesmo em desenhar, pintar, o que for. Depois, estudar. Procurar cursos, pedir opiniões, assistir a videos, se desenvolver. E isso vai ser uma constante, sempre se tem algo para melhorar. Essa história de ser autodidata é furada. Artes plásticas tem muita inspiração, mas também tem muita técnica e teoria e isso é difícil aprender sozinho, trancado no quarto. Uma outra coisa é não viver na ilusão de ser um artista. Como eu já disse, se você está pensando em viver mesmo de arte, que seja sua fonte de renda, tem que encarar como um trabalho de fato. E tem que produzir. Se você colocar na cabeça que tem que fazer um desenho por dia, em um ano você terá 365 desenhos. Impossível não melhorar. E aos poucos vai formando um portfolio legal e assim vai. Ninguém começa a desenhar da noite pro dia, então tem que ter paciência também, realmente leva um tempo para ter um trabalho mais sólido, não é fácil. Mas se curtir mesmo, é só se dedicar.
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