O amadorismo no esporte não existe mais. E no futebol, a profissionalização tem nome próprio: Jorge Valdano, ex-jogador do Real Madrid e da Seleção da Argentina, pela qual foi o artilheiro e levantou o troféu da Copa do Mundo de 1986, ao lado de Maradona. Além da carreira como atleta, o hermano também marcou presença fora dos campos no clube espanhol, onde atuou como técnico e diretor geral esportivo, de 2000 a 2005, durante a polêmica presidência de Florentino Perez.
Em seus tempos de cartola, foram contratados, na sequência, Figo, Zidane, Ronaldo, Beckham, Owen e Robinho. O resultado: inúmeros títulos nos primeiros anos e grandes decepções nos seguintes. Passada a era dos "galácticos", o empresário bem-sucedido participou da criação da Escola de Estudos Universitários do Real Madrid, que tem como objetivo oferecer formação superior para os interessados em ingressar no mundo dos negócios esportivos.
E foi para falar sobre o projeto que o argentino veio ao Brasil no final de fevereiro, quando anunciou a parceria com a Universidade Anhembi Morumbi, em seu novo MBA de Gestão e Marketing em Entidades Esportivas. Aproveitamos sua passagem para bater um papo com o bem-humorado com Valdano que, nas linhas abaixo, fala sobre o que ele mais entende nesse mundo: futebol.
Guia da Semana: Qual é o objetivo da Escola de Estudos Universitários do Real Madrid?
Jorge Valdano: Ela tenta unir o mundo dos esportes com o acadêmico. O projeto do Real Madrid tem a intenção de se vincular à sociedade não só através do futebol, mas também com projetos novos e informativos, que ajudem a sociedade a ser cada dia melhor.
Guia da Semana: Por que está fazendo essa parceria no Brasil?
Valdano: O projeto nasceu em Madrid, mas já com a ideia de se projetar internacionalmente. Nos últimos três anos, tivemos grande êxito e agora estamos ampliando para Turquia, Coréia e México. E também deveríamos estar no Brasil. Consideramos aqui uma opção estratégica, pois é um país com grande paixão pelo futebol, com um leque de instituições esportivas muito grande. Será necessária cada vez mais a profissionalização. Colocamos nossas ideias nesta experiência e espero que ela cresça cada vez mais, ajudando todos aqueles interessados pelo assunto a avançar intelectualmente.
Guia da Semana: O Real Madrid, desde 2006, vive crises políticas seguidas. Os dois últimos presidentes não conseguiram terminar seus mandatos. A escola de estudos universitários do Real Madrid busca formar profissionais competentes na gestão esportiva. O que está dando errado na prática?
Valdano: Os últimos presidentes do Real Madrid não passaram pela escola (risos). O Real Madrid é uma instituição sem fins lucrativos, que pertence aos seus sócios. Portanto, sofre pressões insuportáveis de todas as partes. As crises são praticamente inevitáveis, mas vejo que no futuro, isso deve mudar, com um modelo de gestão mais preciso, que evite a instabilidade dos últimos anos. Mas é importante falar que o Real Madrid mudou totalmente sua gestão, está muito mais profissional. Basta olhar para o marketing. Há cinco anos, a receita do Real Madrid era de 180 milhões de euros, sendo cerca de 10% atribuído ao marketing. Hoje, a receita é de 450 milhões de euros e praticamente metade é do departamento de marketing. Criou-se um departamento de gestão esportiva, que nunca havia existido dentro do clube. Isso existe em todos os clubes espanhóis, que torna necessários os profissionais que formamos na escola.
Foto: Gabriel Oliveira
Guia da Semana: O que você achou da contratação de Maradona como técnico da Argentina?
Valdano: Como futebolista, ele é um gênio, uma figura muito grande no futebol. Além de apaixonado pelo jogo, é um homem com vasta informação sobre futebol internacional. Nos tempos tempo de jogador, ele já via tudo, sempre esteve por dentro. E depois de um momento de fragilidade pessoal, ele pode voltar para sua paixão, com seu conhecimento e enorme carisma para a Seleção Argentina. Me parece uma boa decisão.
Guia da Semana: Alguns jogadores brasileiros, como o Robinho e o Adriano, se envolveram em escândalos na Europa. Existe essa preocupação com a conduta dos jogadores antes de contratá-los? Qual é a sua análise dos brasileiros no futebol europeu?
Valdano: No âmbito esportivo, o jogador brasileiro vem ganhando cada vez mais prestígio. Quanto à formação, é um ponto-chave na hora de contratar o jogador, pois ele estará sujeito a muitas pressões. Mas penso que, nesses casos, mais do que formação, é um problema de maturidade para o jogador encarar essas grandes pressões. Hoje, todos os grandes clubes europeus dão soluções formativas para os jogadores jovens, para que eles sejam capazes de resolver todos os grandes desafios que existem dentro e fora do campo. Nos últimos dez anos, muita coisa mudou.
Guia da Semana: Como você vê a situação de Robinho no Manchester City? A mudança dele do Real para lá foi conturbada...
Valdano: Ele se deixou levar pelo ressentimento. Ele tinha uma relação difícil com o Real Madrid, depois das negociações com Cristiano Ronaldo. Nesse divórcio com o clube, acho que tomou uma decisão equivocada. É muito mais fácil ser o melhor jogador do mundo com a camisa do Real Madrid do que com a do Manchester City. Aquele jogador que dá prioridade ao âmbito econômico antes do esportivo, no final acaba ressentido, inclusive no seu futuro econômico. Dito isto, Robinho é um dos maiores talentos do futebol internacional e tem tempo suficiente para vencer na profissão.
Guia da Semana: Como você avalia essa passagem do Robinho pelo Real Madrid?
Valdano: São coisas que precisam de um tempo, de maturidade. Robinho chegou muito jovem ao Real Madrid e todos têm demandas muito urgentes, sem entender que ele precisa de adaptação não só esportiva, mas também social, antes de alcançar seu melhor futebol. Digo isso porque no segundo ano ele foi bem melhor, no título com o Capello. Talvez tenha sido o melhor jogador do campeonato. Foi uma evolução natural.
Guia da Semana: Existe uma pressão pelo fato do Real Madrid não ganhar a Champions League há alguns anos?
Valdano: Sim, grandíssima. O Real Madrid é o que é graças a Copa da Europa. Ganhar a Liga para o Real Madrid não é o suficiente. Chegar à final da Champions é o que satisfaz de verdade seus aficionados.
Guia da Semana: O Luxemburgo e o Scolari são dois treinadores campeões em seus países, mas que não tiveram uma passagem de sucesso por grandes clubes da Europa. Você vê alguma semelhança entre os dois? Qual é a dificuldade de adaptação de um treinador brasileiro na Europa?
Valdano: Luxemburgo chegou ao Real Madrid em um momento difícil e creio que fez um bom trabalho. Quanto ao Scolari, antes de ir à Inglaterra, ele já havia triunfado na Europa, na Seleção Portuguesa, onde alcançou coisas importantes. Essa é uma pergunta que me fazem na Argentina, em relação a treinadores como Carlos Bianchi e outros que não tiveram o sucesso esperado na Europa. O futebol é feito por códigos, e os daqui não são os mesmo códigos da Europa. Isso faz com que não alcancem lá a cumplicidade do jogador como conseguem aqui. Esse pode ser um dos elementos de influência. Mas eu creio que ambos são profissionais muito preparados para triunfar no futebol internacional.
Guia da Semana: A volta de Florentino Perez é a melhor solução para o Real Madrid hoje?
Valdano: No meu ponto de vista particular, sim. Desejo a ele toda tranquilidade para que possa decidir isso da melhor maneira.
Guia da Semana: Mesmo com os erros e as críticas do tempo dos galácticos?
Valdano: Nos primeiros três anos com os galácticos, o Real Madrid conquistou sete títulos importantes. Foi uma boa administração.
Guia da Semana: O Beckham ficará apenas três meses no Milan. O Real aceitaria ficar com um jogador como ele por esse período?
Valdano: Nesse momento, não sou uma voz autorizada do Real Madrid para falar disso. Mas me parece uma má idéia para um clube grande contratar um jogador por um período tão curto.
Guia da Semana: Mesmo que valha a pena no marketing?
Valdano: Más resoluções esportivas são sentidas também no departamento de marketing. Esse departamento também deve pensar a médio e longo prazo.
Guia da Semana: Você sempre defendeu um futebol bonito, ofensivo. A pressão dos grandes clubes muitas vezes limita essa prática. Nos últimos anos, vemos times como Manchester United e a Seleção Espanhola jogando um futebol bonito e campeão. O futebol está voltando a se soltar um pouco mais? O Barcelona também está ofensivo...
Valdano: Sobre o Barcelona, não era necessário falar... (risos) Mas não há prova científica que nos diga que jogar mal o futebol dá mais resultado do que jogar bem. Creio que a história está cheia de campeões que jogam bonito. E mais, creio que é obrigação de um grande clube jogar um futebol digno. Cabe agora aos clubes interpretarem até que ponto o bom futebol tem uma força publicitária.
Guia da Semana: Quais são os times mais te agradam hoje?
Valdano: Manchester United, Barcelona e Arsenal.
Guia da Semana: E os melhores jogadores?
Valdano: Messi, Kaká e Cristiano Ronaldo.
Guia da Semana: A pergunta que não quer calar: quem ganha a Copa de 2010?
Valdano: Argentina, já está escrito (risos).