Cinema
Por Juliana Varella

Versão americana de “Oldboy” testa a paciência dos fãs

Filme de Spike Lee tem violência e viradas de enredo, mas peca pelo excesso de didatismo.

Josh Brolin vive um homem preso por 20 anos por vingança em "Oldboy" (Divulgação)

Há um ou dois anos, os fãs de Oldboy receberam a notícia de que o filme – um thriller coreano sobre vingança, dirigido por Park Chan-Wook em 2003 e inspirado numa história em quadrinhos – ganharia um remake americano. A primeira reação foi perguntar-se por quê. A segunda, como.

Adaptar um livro ou uma peça teatral não exige tanto cuidado quanto refazer um filme. Afinal, o que justificaria um remake de um produto com a mesma linguagem? Geralmente, refilmagens só têm sucesso quando a execução original não é considerada tão boa, quando há uma distância muito grande no tempo, ou quando se propõe uma releitura completa da história. Nenhum destes casos se aplica ao novo “Oldboy”.

O remake tem direção de Spike Lee e Josh Brolin no papel principal. Ao invés do descabelado Oh Dae-su do longa de 2003, ele é Joe Doucett, um publicitário mulherengo e beberrão que se vê encarcerado, de uma hora para a outra, num estranho quarto de hotel. Por 20 anos.

O enredo é, basicamente, o mesmo: homem comum é sequestrado, trancado por duas décadas e libertado misteriosamente. Nesse tempo, sua esposa é assassinada, ele é incriminado e sua filha pequena é posta à adoção. Seu torturador, enfim, lança-lhe o desafio de descobrir quem ele é e por que o trancara.

O longa de Chan-Wook ficou famoso não apenas pela trama, cheia de labirintos e revelações surpreendentes, mas também pelo nível de violência – física e psicológica. Tudo é agressivo, grotesco, selvagem; Oh Dae-su flerta com a loucura, não tem compaixão, não quer compaixão. Mas ele não é Joe Doucett.

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Doucett (Brolin) parece mais civilizado após seus anos de prisão do que antes, quando tratava pessoas como lixo e gritava, bêbado, pelas ruas. Seu terno está sempre impecável (mesmo que furado) e sua barba, bem feita. Ele é violento, sim - mata até um time de garotos que nada têm a ver com sua vingança – mas apenas quando lhe convém. Com as mulheres, é delicado; com o amigo, gentil. Com o inimigo, é paciente.

O público também terá que ser paciente, pois o didatismo de Lee chega ao limite do aceitável. Há explicações detalhadas sobre a vida de Doucett antes, durante e após o encarceramento, sobre o passado do vilão, seus métodos, objetivos e até sobre o futuro de todos os personagens. Nada resta para a imaginação – a digestão não apenas é facilitada, como empurrada às pressas.

A cena do corredor (um plano-sequência com efeitos gráficos no original) aparece aqui apenas homenageada: Doucett usa um martelo para dar conta de dezenas de capangas armados com pedaços de pau, facas e até uma espada, numa sequência tarantinesca. Lee privilegia os gritos e malabarismos em lugar do movimento contínuo de personagem e câmera que marcaram o anterior.

O diretor abusa dos close-ups e nos obriga a encarar, um tanto incômodos, aqueles rostos tensos e cheios de sofrimento, que chegam a ocupar a tela inteira. O efeito é envolvente, apesar de exagerado, e Brolin se sai muito bem nesse teste. O ator empresta sensibilidade ao protagonista e convence o público a segui-lo em seu drama.

O antagonista é interpretado pelo novo vilão favorito de Hollywood, Sharlto Copley, munido de uma barba que faz lembrar Wes Bentley em “Jogos Vorazes”. Metodicamente limpo e arrumado, seu personagem não inspira empatia, mesmo quando revela sua tragédia pessoal.

A postura de Copley é tão caricata quanto sua assistente: japonesa, sexy e mestre em artes marciais. Samuel L. Jackson, que vive o dono do "hotel" onde Doucett fica preso, talvez rendesse um vilão mais carismático, mas sua participação é mais bizarra do que interessante.

No fim, a visão de Spike Lee para “Oldboy” peca pelo excesso de referências. A cultura pop americana se mistura à visão americana da cultura pop oriental e incorpora elementos isolados do suspense e do terror. Mas Lee deixa de fora aquilo que o clássico sul-coreano tinha de mais impactante: a tensão psicológica. Entendemos. Hollywood nunca foi boa em fazer seu público pensar.

Assista se você:

  • Não viu a versão de 2003
  • Quer ver um filme de ação com uma virada no final
  • É fã de Spike Lee

Não assista se você:

  • Espera ver um filme tão bom quanto o de 2003
  • Procura um filme sutil, que mexa com a cabeça do espectador
  • Quer ver um vilão convincente

Por Juliana Varella

Atualizado em 2 Jun 2014.