Cinema
Por Juliana Varella

“O Nascimento de Uma Nação” chega ao Brasil envolto em polêmicas

Filme sobre rebelião escravista fortalece diálogo sobre violência contra negros nos EUA.

Filme mostra diferentes formas de exploração dos escravos nos EUA (Foto: Divulgação)

Certos filmes têm o poder de extrapolar a tela de cinema. Eles dialogam com seu tempo e com tempos passados, criam novas significações sobre velhos temas e lançam debates que acabam envolvendo até quem não assistiu à obra. “O Nascimento de Uma Nação” é assim: um filme cujo sentido depende completamente de seu contexto.

O longa foi escrito, dirigido, produzido e protagonizado por Nate Parker e exibido pela primeira ver no festival de Sundance. Depois de chamar a atenção por repetir o título de um dos maiores clássicos do cinema americano, o filme faturou o maior contrato de distribuição já fechado no evento, com a Fox Film, e foi imediatamente catapultado para a corrida pelo Oscar 2017.

Alguns meses depois, entretanto, a campanha sofreu um baque após a revelação de que Parker foi réu num caso de estupro em 1999, do qual foi inocentado, mas cuja vítima cometeu suicídio em 2012. Desde então, o filme tem sido visto com outros olhos pela crítica e pelo público, que se divide entre considerar ou não o caso na análise da obra. Outros diretores acusados de crimes semelhantes foram Roman Polanski e Woody Allen.

Dito isso, comecemos pelo título: “O Nascimento de Uma Nação”, épico de 1915 de D.W. Griffith, foi um marco do cinema por inaugurar ou aperfeiçoar diversas técnicas de edição. O longa, porém, contava a história de duas famílias que lutavam em lados opostos da Guerra Civil americana e ficou conhecido, entre outras coisas, por fazer apologia ao racismo ao exaltar a chegada do grupo extremista Ku Klux Klan.

O longa de Parker é o oposto disso: baseado numa história real, ele conta a história de Nat Turner, um escravo letrado que liderou uma rebelião contra os fazendeiros brancos, mais ou menos na mesma época em que se passava o clássico de Griffith. Vale notar que o filme chega aos cinemas americanos num momento em que a violência policial contra a população negra ocupa o centro das atenções no país, e artistas de âmbito mundial vêm se posicionando como embaixadores de uma nova onda de orgulho negro.

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Outro tema forte no drama histórico é o papel da religião católica na opressão racial. Autodidata, Turner foi uma criança-prodígio que chamou a atenção de sua senhoria. A moça branca o trouxe para dentro da Casa Grande e o ensinou a ler – mas proibiu a ele absolutamente todos os livros, exceto a Bíblia. Dessa forma, o garoto não apenas desenvolveria uma devoção conveniente para os senhores, como também se tornaria um pastor negro, capaz de espalhar a mensagem de submissão às outras fazendas da região.

Essa formação do personagem, de sua infância cheia de esperanças até a tomada de consciência que o levará à rebelião, ocupa a maior e melhor parte do filme. Filmada com precisão e sob uma fotografia elegante assinada por Elliot Davis, essa trajetória prende o espectador na poltrona e oferece reflexões muito maiores do que a história que se vê em tela. Que bom seria se Parker conseguisse manter o ritmo até o fim.

Entre a decisão de se rebelar e o esperado final trágico, alguma coisa desanda – tanto na ficção quanto na realidade. O filme perde força nos minutos finais e acaba optando por clichês que enfraquecem seu protagonista e sua mensagem. E então, quando a poderosa cena de encerramento finalmente se impõe, a sensação é de que, apesar de comovidos pelo filme, não podemos deixar de compará-lo a outras obras recentes (e mais bem acabadas) sobre a negritude americana, como “12 Anos de Escravidão”, “Selma”, “Straight Outta Compton” ou a série “The Get Down”.

O Nascimento de Uma Nação” é, de fato, um filme forte e importante sobre o passado escravista americano, que incita questionamentos sobre a religião e suas interpretações, sobre vingança, preconceito e papéis sociais. Mas, apesar da qualidade técnica e das belas atuações, ainda não é o filme que brigará de frente com um clássico como o de Griffith, nem é um filme que mudará a forma como se enxerga aquele momento na História. O fato de este ser o longa de estreia de Parker na direção, entretanto, deixa claro que este é um nome que voltaremos a ouvir, muito em breve. Ficaremos de olho.

O filme estreia nos cinemas no dia 10 de novembro e está sendo exibido na 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

Por Juliana Varella

Atualizado em 7 Nov 2016.