Cinema
Por Juliana Varella

“Noé” explora obsessão pela palavra divina

Filme de Aronofsky adapta texto bíblico em filme de ação hollywoodiano.

Russell Crowe mostra uma interpretação agressiva de Noé (Divulgação)

Muito se discute sobre as dificuldades de adaptar um best seller para os cinemas. O que dizer, então, do desafio a que Darren Aronofsky se propôs: adaptar um trecho do livro mais conhecido do mundo e ainda adicionar um pouco de tempero à história? Em “Noé”, o diretor de “Cisne Negro” transforma a saga bíblica numa aventura hollywoodiana regada a violência, vingança e devoção.

A trama, todos conhecem: Noé (Russell Crowe) vive isolado com sua esposa e filhos (alguns milhares de anos antes de Cristo), quando recebe um chamado divino. Ele descobre que a Terra está prestes a ser inundada, como uma forma de “limpeza” contra o mal causado pelos homens, e que cabe a ele construir uma arca para salvar os animais. No filme, esse chamado não deixa claro se Noé e sua família também embarcarão, o que dá origem a uma série de conflitos.

Tecnicamente, o longa surpreende: nem a água, nem a multidão faminta, nem um grupo de guardiões divinos (inusitados), todos em CGI, destoam do conjunto acinzentado que compõe aquele universo primitivo, às vezes pontuado por imagens congeladas ou em fast-forward. O resultado é cru, mas também é high-tech (e pode ser visto em IMAX 3D).

O diretor se permitiu fugir do “roteiro original” criando uma nova personagem: Ila (Emma Watson). Sua presença altera significantemente o destino dos filhos de Noé, Sem (Douglas Booth), Cam (Logan Lerman) e Jafé ( Leo McHugh Carroll), gerando um conflito tão intenso que o espectador logo se esquecerá da arca e dos seus animais (sub-aproveitados).

Jennifer Connely, intensa na pele da esposa de Noé, Naameh, faz o contraponto entre a interpretação literal das mensagens divinas e o bom senso, ou a compaixão. Crowe, por sua vez, entrega um Noé obsessivo, frio e capaz de qualquer atrocidade em nome de seu Criador. Sua ambiguidade é palpável, já que ele crê que está fazendo o bem – ou pelo menos o justo. Mas “justiça” é um conceito bastante frágil na obra de Aronofsky.

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A moral bíblica está ali, mas a forma como ela é mostrada – sem meias palavras, sem eufemismos – pode soar agressiva para alguns. Sugestões de incesto são tratadas com naturalidade e todo o conceito do dilúvio é apresentado com foco na crueldade. O objetivo pode não ser criticar, abertamente, mas o resultado questiona a validade da interpretação literal daquelas histórias.

Quem de fato equilibra as duas pontas (a sabedoria divina absoluta e o bom senso humano) é o personagem de Anthony Hopkins, Matusalém – aquele avô sábio com alguns preciosos momentos caducos que trazem um pouco de leveza à tragédia.

Aronofsky é de família judaica, mas se declara ateu – sua visão da Bíblia é, portanto, mista entre as duas religiões e, ao mesmo tempo, racional, exaltando as contradições dos textos religiosos e criando uma lógica pesada tanto para fiéis quanto para ateus. Curiosamente, ambos podem sair ainda mais convictos de suas escolhas.

Assista se você:

- Gosta da história de Noé e quer ver uma interpretação interessante

- Procura um bom filme de ação e drama

- Gosta do estilo de Darren Aronofsky

Não assista se você:

- Não gosta da história de Noé

- Não se interessa por filmes com teor religioso

- Não quer ver um filme violento

Por Juliana Varella

Atualizado em 3 Abr 2014.