Cinema
Por Juliana Varella

Crítica: “Spotlight” resgata a nostalgia do jornalismo investigativo em tempos de crise nas redações

Longa concorre a seis Oscars, incluindo o de Melhor Filme.

"Spotlight" mostra a história real de uma equipe de jornalistas que investigou casos de pedofilia na Igreja (Divulgação)

Um dos filmes “menores” que vêm crescendo na corrida pelo Oscar 2016, depois de ganhar indicações em todos os principais prêmios de cinema e levar o troféu de Melhor Filme no Critics’ Choice Awards, é “Spotlight: Segredos Revelados”. O longa, dirigido por Tom McCarthy (do péssimo “Trocando os Pés” e do ótimo “O Visitante”) e escrito por ele e Josh Singer (“O Quinto Poder”), conta a história real da equipe de jornalismo que investigou o esquema de proteção aos padres pedófilos pela Igreja Católica em Boston.

A história, como se pode imaginar, é polêmica, mas não chega a ser realmente surpreendente. Durante décadas, a Igreja praticou o abafamento sistemático dos casos de abuso de menores por padres, realocando os responsáveis a cada novo incidente ao invés de entregá-los à justiça. Além disso, o filme mostra como bispos e outras autoridades tinham conhecimento da situação, e como prejudicavam o trabalho da polícia ao ocultar documentos e dificultar o acesso às informações.

O filme traz um elenco invejável: Michael Keaton, Mark Ruffalo, Rachel McAdams e Brian D’Arcy James formam a equipe investigativa do Boston Globe, enquanto Liev Shrieber e John Slattery são editores do jornal. Shreiber representa a visão externa que lança luz sobre o problema – recém-contratado e não-católico, é ele quem decide investir nessa história, que já havia sido ignorada pela redação numa outra ocasião.

“Spotlight” tem chamado a atenção por recuperar uma espécie de nostalgia do jornalismo. No filme, os repórteres têm tempo de sobra para mergulhar na história e o jornal aceita até bancar um processo para que documentos sigilosos possam ser avaliados. Os jornalistas, aqui, são heróis a serviço da justiça, como haviam sido na época do escândalo de Watergate. É interessante que esse otimismo pela profissão venha num momento em que o jornalismo vive sua maior crise, com jornais impressos e digitais em todo o mundo contemplando a falência (inclusive o próprio Boston Globe).

Apesar de não se passar num tempo tão distante (início dos anos 2000), o filme trabalha ainda com outro fator nostálgico: a memória analógica. Ao mostrar uma investigação apoiada em arquivos físicos, pastas, notícias de jornais e anuários enterrados nos fundos das prateleiras, o longa acaba apelando para uma carência que a modernidade traz por validação: se está no papel, então é verdade. Se foi preciso dedicar dias inteiros de pesquisa para encontrar uma informação, então o trabalho foi bem feito.

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O que martela na cabeça do espectador após assistir a “Spotlight”, porém, não é a aventura jornalística nem o esquema criminoso da Igreja, mas sim uma reflexão breve e audaciosa levantada durante a investigação: a de que a pedofilia entre profissionais religiosos seria um padrão e responderia por 6% de toda a instituição. Essa informação, com consequências muito mais vastas do que os limites de Boston, é lançada por um personagem cujo rosto nunca é visto, talvez para amenizar o impacto junto à Academia e ao público. Nesse ponto, McCarthy deixa passar uma oportunidade de ouro: se decidisse se aprofundar sobre esses números, talvez seu filme pudesse ser mais do que apenas um retrato do jornalismo – para se tornar uma experiência do próprio.

“Spotlight: Segredos Revelados” está em cartaz nos cinemas e concorre a seis Oscars: Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator Coadjuvante (Mark Ruffalo), Melhor Atriz Coadjuvante (Rachel McAdams), Melhor Roteiro Original e Melhor Montagem.

Por Juliana Varella

Atualizado em 19 Jan 2016.